Indisposto, calado e sonolento: como foram as horas de Lula anteriores à internação às pressas
Por O GLOBO
Sinalizações em reuniões nesta segunda-feira indicaram que o petista estava diferente do habitual
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O diagnóstico de hemorragia (sangramento) intracraniana e a transferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de Brasília para São Paulo — descrita por auxiliares como uma “operação de guerra” devido a sua urgência, como noticiou o colunista do GLOBO Lauro Jardim — foram antecedidos por uma série de sinalizações de que o petista estava diferente do habitual em reuniões realizadas ao longo de segunda-feira. Auxiliares e autoridades que despacharam com Lula horas antes da cirurgia de emergência relataram ter percebido uma mudança de comportamento: o mandatário se mostrava indisposto, abatido e, ao contrário do que costumava fazer, falava pouco. Além disso, queixava-se de uma dor de cabeça.
Logo no primeiro compromisso, pela manhã, ministros e assessores que estiveram com Lula estranharam o presidente. Normalmente falante, ele aparentava estar cansado e indisposto. Não fez brincadeiras com quem esteve no seu gabinete e estava mais calado que de costume.
A reunião, com a participação de 13 ministros, sobre novas regras de governança de estatais, prevista para 9h, começou com 40 minutos de atraso. Um dos ministros relatou que o presidente ficou em silêncio a maior parte do tempo e, ao fim do encontro, fez ponderações e pedidos. A reunião se estendeu até as 12h19m. Logo em seguida, Lula relatou a um auxiliar próximo sentir dor de cabeça.
Reunião sobre emendas
Em encontro com o titular da Secom, Paulo Pimenta, o presidente aparentava estar sonolento, segundo relato posterior do próprio ministro. O petista foi almoçar no Palácio da Alvorada, voltou ao Planalto às14h40m e seguia reclamando da dor de cabeça. Foi quando ministros passaram a recomendar ir ao hospital para fazer exames, mas o presidente resistia.
Lula não queria ir ao hospital antes de receber os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o que aconteceu por volta de 17h. Na pauta, estavam as alternativas para flexibilizar o pagamento de emendas parlamentares ante a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ampliou exigências para o repasse das verbas.
Lula novamente falou pouco, o que não é comum para o presidente nessas situações, em que normalmente é ele quem costuma liderar as conversas. As falas ficaram mais a cargo do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Por volta das 17h50m, porém, o presidente pediu licença aos presentes antes de deixar a sala:
— Pessoal, estou com dor de cabeça. Vou ter de sair para fazer exames — disse o presidente, segundo o relato do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), que acompanhava a reunião.
O petista explicou ao grupo que sua equipe médica havia recomendado o procedimento caso houvesse dores na cabeça após o acidente no Alvorada, em outubro, quando caiu no banheiro do Palácio da Alvorada e bateu com a cabeça no chão. A discussão não havia se encerrado, e a conversa então prosseguiu sem a presença do presidente.
Ontem, na abertura da sessão do Senado, Pacheco contou que Lula estava “abatido” durante a reunião, mas que se despediu “com um sorriso no rosto”:
— Muitas pessoas me perguntaram como estava o presidente (…) e eu devo dizer que, naturalmente, abatido em função do estado de saúde, mas me recebeu no seu gabinete e se despediu de mim com um sorriso no rosto, o que é um indicativo que o presidente Lula em breve estará retomando suas atividades, para bem do Brasil e para bem dos brasileiros.
Segundo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), até anunciar que se ausentaria, o presidente parecia cansado e estava com semblante mais fechado, mas não havia indicado estar com algum desconforto.
Após deixar a reunião com Lira e Pacheco, Lula saiu do Planalto e deu entrada no Hospital Sírio-Libanês em Brasília por volta das 18h30m. Ele estava acompanhado da primeira-dama Janja, do chefe da ajudância de ordens, Valmir Moraes, da médica Ana Helena Germoglio e de seguranças.
O comboio de Lula deixou o Planalto sem chamar a atenção da imprensa, que aguardava o desfecho da reunião entre Lula, Pacheco e Lira. Em frente ao palácio, a bandeira que sinaliza presença do presidente da República seguiu hasteada até 20h.
Apenas com a roupa do corpo e sem estar preparado para uma viagem de emergência, Lula chegou ao hospital achando que faria um exame de rotina. Na unidade, o presidente passou por uma ressonância magnética, em que foi identificado o sangramento. Diante do quadro, a equipe médica decidiu transferir Lula para a unidade de São Paulo.
‘Banho de água fria’
Ao receber dos médicos o diagnóstico, Lula deixou evidente sua surpresa e chateação, segundo presentes naquele momento em relato à colunista Bela Megale, do GLOBO. O presidente, porém, entendeu que a operação era necessária e que deveria ser feita logo. Segundo auxiliares de Lula, o diagnóstico foi um “banho de água fria”, porque o petista vinha mostrando melhoras em todos os exames que fez desde a queda, em outubro.
Janja foi ao Alvorada arrumar as malas, enquanto Lula aguardava no hospital o avião presidencial ser providenciado. A opção foi por usar um avião da FAB sem UTI médica para acelerar sua chegada na capital paulista, onde reside a equipe médica do presidente. Do aeroporto de Congonhas até o Sírio-Libanês em São Paulo, Lula fez O trajeto de ambulância, com Janja ao seu lado. Chegou caminhando ao hospital.
A decisão de transferir Lula foi dos médicos. Foi calcada, sobretudo, na infraestrutura da unidade paulistana do Sírio. O fato de manter toda a equipe perto do presidente durante e depois da operação também pesou. (Jeniffer Gularte, Sérgio Roxo, Renata Agostini, Camila Turtelli, Daniel Gullino e Adriana Dias Lopes).