Em quatro pontos, tudo o que se sabe sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid
Por O GLOBO
Ex-ajudante de ordens da Presidência afirmou em depoimento que Jair Bolsonaro participou da fraude dos cartões de vacinação e da elaboração do decreto golpista
A deleção premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, implica diretamente o ex-mandatário em várias linhas de investigação da Polícia Federal. Alguns detalhes do depoimento, homologado pelo Supremo Tribunal Federal em setembro passado, mostram que Bolsonaro participou ativamente de casos como a fraude dos cartões de vacinação e da elaboração do decreto golpista.
O que se sabe sobre a delação
Cartões de vacinação
Segundo publicado pelo UOL, nesta terça-feira, Mauro Cid revelou em sua delação que partiu de Bolsonaro a ordem para fraudar os certificados falsos de vacinas da Covid-19 dele e da sua filha Laura. O tenente-coronel admitiu à PF que operacionalizou a falsificação dos cartões com aliados e disse que imprimiu os documentos falsos e os entregou em mãos para o então presidente da República, no ano passado.
De acordo com a coluna da Bela Megale, um investigador disse que, de fato, não é crível que a falsificação de um certificado de vacina da filha fosse realizada sem o conhecimento do seu pai, ainda mais quando se trata de Bolsonaro, que exerce uma postura controladora.
A versão que o ex-presidente deu à PF, em maio, é distinta da apresentada pelo ex-ajudante de ordens. Bolsonaro declarou aos investigadores que não conhecia nem orientou fraudes em cartão de vacinação para seu uso ou de sua filha.
No início do ano, a PF encontrou diálogos no celular de Mauro Cid que mostravam como o então ajudante de ordens solicitou a inserção dos dados falsos de vacina nos sistema do Ministério da Saúde. A intenção era burlar as exigências de comprovação da vacinação para entrada em países estrangeiros.
Em maio, a PF deflagrou a Operação Venire, na qual Mauro Cid foi preso preventivamente. Ele só foi solto após o ministro do STF Alexandre de Moraes homologar o acordo de delação premiada em setembro.
Decreto golpista
Em seu depoimento à PF, o ex-ajudante de ordens afirmou que Jair Bolsonaro atuou diretamente na discussão da elaboração de um decreto golpista para impedir a troca de governo após as eleições de 2022. Segundo o relato do tenente-coronel, o ex-presidente pediu alteração em uma minuta de documento que determinava a prisão de autoridades e a realização de novo pleito no país.
Cid contou à PF que Bolsonaro recebeu de Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, uma minuta de um decreto golpista com diversas páginas elencando supostas interferências do Poder Judiciário no Executivo e propondo medidas antidemocráticas. O esboço desse documento, de acordo com o militar, determinava a realização de novas eleições e a prisão de autoridades, sem especificar quem executaria a ação.
Após ler a minuta, de acordo com o relato de Cid, Bolsonaro pediu para alterar parte da estrutura do texto, mantendo a convocação de novas eleições e apenas a prisão de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As demais autoridades relacionadas no decreto foram excluídas. O ex-ajudante de ordens afirmou aos investigadores que só soube da existência do rascunho do documento quando Filipe Martins lhe apresentou uma versão impressa e em formato digital para que fossem feitas as mudanças pedidas pelo ex-presidente.
Segundo o depoimento, Martins retornou dias depois com uma nova versão do texto com a alteração solicitada por Bolsonaro. Ainda de acordo com o ex-ajudante de ordens, o ex-presidente concordou com a mudança feita na minuta e mandou chamar os comandantes das Forças Armadas para discutir a medida antidemocrática.
A defesa de Bolsonaro não comentou as acusações, pois não teve acesso ao material.
Envolvimento com os acampamentos golpistas
De acordo com o depoimento de Cid à PF, o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro no ano passado, costumava atualizar o então presidente sobre o andamento das manifestações golpistas em frente aos quartéis do Exército que pediam intervenção militar após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva . Ele também fazia um elo entre Bolsonaro e integrantes dos acampamentos antidemocráticos.
Reportagem do site Metrópoles, publicada em novembro do ano passado, exibiu fotos de pessoas que estavam acampadas em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, frequentando a casa onde funcionou o comitê de campanha da chapa Bolsonaro-Braga Netto. Na ocasião, o ex-ministro da Defesa dava expediente no local.
Na mesma semana em que os manifestantes foram flagrados no comitê de campanha de Bolsonaro em Brasília, Braga Netto saiu para cumprimentar e tirar fotos com apoiadores em frente à residência oficial após visitar o ex-presidente. Naquela ocasião, o militar pediu a eles para “não perderem a fé”.
Para checar o relato de Cid, os investigadores estão mapeando todas as reuniões realizadas entre Bolsonaro, Braga Netto e integrantes das Forças Armadas no fim de 2022. Dados das agendas secretas de Bolsonaro, obtidos pelo GLOBO, mostram que Braga Netto esteve com Bolsonaro no Alvorada em ao menos quatro ocasiões diferentes.
No dia 14 de novembro, o general da reserva participou de uma reunião junto com os comandantes das Forças Armadas e os ministros da Defesa à época, Paulo Sérgio Nogueira, e da Justiça, Anderson Torres.
Na ocasião, Braga Netto afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que desconhece o teor da delação e não pode se manifestar sobre processo sigiloso.
Joias sauditas
Segundo a coluna da Bela Megale, Mauro Cid detalhou como o ex-presidente se comportou sobre assuntos como a aquisição de presentes que ganhou e que eram destinados à União, no caso das joias enviadas pelos sauditas. Mas ainda não veio à tona, os detalhes do depoimento.
Em agosto deste ano, o advogado do ex-ajudante de ordens, Cezar Bittencourt, afirmou que o militar entregou a Jair Bolsonaro o dinheiro em espécie referente à venda de um relógio Rolex recebido como presente oficial e negociado a mando do próprio ex-presidente. Foi a primeira vez que Bolsonaro foi citado diretamente no suposto esquema de negociação de joias investigado pela Polícia Federal.